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16 de setembro de 2011

O Filho Eterno


Olá Netos Cibernéticos!

A Velha foi ver a montagem “O Filho Eterno” da Cia. Atores de Laura.


A notícia que seu primeiro filho em breve estará em seus braços deixa a personagem desta montagem extremamente entusiasmada. O desejo de se tornar pai será concretizado. É assim que se inicia o monólogo “O Filho Eterno”, da Cia. Atores de Laura, uma adaptação, feita por Bruno Lara Resende, do livro homônimo de Cristovão Tezza.
Na sala de espera do hospital o pai imagina como será o seu filho, sua relação com ele no futuro, seus desejos e expectativas em tudo que esta criança se tornará. Ao ver o médico, ele pergunta se está tudo bem com a criança e com a mãe, sem dúvida alguma da resposta positiva. O doutor confirma que ambos passam bem, mas que o filho é ‘mongolóide’, termo utilizado nos anos 80 para definir os portadores da Síndrome de Down.
Em poucos segundos o pai, que antes não sabia direito como lidar com tanta emoção e orgulho por ter um sucessor genético, agora se desnorteia com a notícia que seu filho é Down e com a imensidão de emoções contraditórias. A partir daí caminhamos com o pai por todos os sentimentos possíveis, desde o desejo de ver o filho morto, causando-o imensa felicidade com esta idéia, passando pela a vergonha da criança por ser Down, pela aceitação do filho, as dificuldades inúmeras de se criar uma criança especial e finalmente chegando à descoberta e valorização das pequenas vitórias da criança.
Charles Fricks interpreta este pai. É ele o responsável por nos levar a um sobe e desce de sentimentos por aproximadamente 1h30min. O tempo passou sem que a Velha percebesse, com exceção de um momento onde as ações da personagem principal se tornam um pouco repetitivas, ele vai e volta para o canto esquerdo frontal do palco diversas vezes, no mesmo sofrimento de não aceitação, e isso deixou a Velha um pouco aborrecida, mas em seguida a montagem retoma seu rumo e tudo volta a estar em sua mais perfeita harmonia. “O Filho Eterno” muitas vezes nos assusta, pois desmascara os presentes deixando sair em palavras o que muitas vezes ficam apenas em nossos pensamentos. Durante um longo período da montagem este pai renega seu filho e diz coisas monstruosas, como “crianças com down são feias, baixinhas, como ogros de boca grande”. Poderia até ser engraçado, se não fosse trágico... Fricks consegue fazer nós, espectadores, sentirmos vergonha de ter um filho down, como sua personagem sente. Ele também é responsável por aos poucos, junto com sua personagem, nos desvelar o quão prazeroso pode ser estar ao lado de seu filho em cada nova descoberta: os primeiros passos; a primeira palavra que a criança emiti, mesmo sendo algo inesperado que nos leva a deliciosas risadas; os primeiros rabiscos; e a beleza de perceber o mundo como o down percebe, com sentimentos tão verdadeiros.
Mesmo estando sozinho em cena Fricks nos faz ver, ao seu lado, o médico, a esposa, o motorista do carro que o azucrina, e principalmente seu filho em diversos momentos da vida, em suas diversas alturas. Vemos o filho agarrado em suas pernas, e não vemos como algo abstrato, como algo que não está ali, vemos a criança em sua totalidade, com altura, peso, cor e sorriso. Sem dúvida alguma Charles Fricks nos dá uma aula de corporeidade, interpretação e principalmente de como utilizar a imaginação a seu favor.
Em uma montagem onde não se utilizam cenários elaborados e realistas a imaginação é o que preenche as lacunas deste espaço vazio. Quanto menos o espaço oferece visualmente ao espectador, mais a imaginação do mesmo é trabalhada e excitada. Fricks faz com que o público acredite que com apenas um virar de pernas para a sua direita, com uma leve curvatura na mesma, o seu filho esteja agarrado em suas pernas e assim ele obtém o que raramente a Velha vê nas montagens cariocas: uma conexão da sua imaginação, transformada em ação, com a imaginação do público, que está disposto a jogar este jogo imaginário.
Peter Brook, em “A Porta Aberta” já diz que “as principais tarefas do ator são: traduzir suas imagens mentais em ações físicas/vocais; criar uma “vida paralela” e ser convincente na execução das ações mais simples. Portanto, para que consiga materializar suas idéias inventadas, ele precisa ultrapassar a mera imitação e ter um objetivo claro e definido” e isto é algo que vimos claramente nesta montagem dos Atores de Laura.
 “O Filho Eterno” é um exemplo do poder da imaginação do ator quando bem trabalhada. Fazer com que um público acredite nas ações do ator no palco vai além de apenas imaginar e imitar o que se imagina. Para convencer o espectador, mesmo nas ações mais simples, deve-se materializar a idéia, como diz Brook, “em carne, sangue e realidade emocional: tem que ir além da imitação, para que a vida inventada seja também uma vida paralela, que não se possa distinguir da realidade em nível algum”.
Esta montagem é a prova do quão importante é a imaginação no trabalho do ator. Roberto Mallet diz que “a imaginação do ator tem que ser uma imaginação que se encarna”, e ele tem plena razão nisso, pois Fricks nos mostra que uma imaginação em cena não pode ser apenas mental, mas tem a obrigação de envolver todo o corpo e os cinco sentidos humanos, para somente assim fazer ligação com o público.
Tudo isso só é possível porque temos um excelente ator em cena, Charles Fricks, dirigido pelo ótimo Daniel Herz, em uma adaptação sensacional de Bruno Lara Rezende, unidos à uma bela escolha de figurino de Marcelo Pies, à iluminação de Aurélio de Simões e direção musical de Lucas Marcier. Cada um faz seu trabalho de forma fantástica e é compreensível o porque Fricks no final da apresentação diz ‘nós somos os Atores de Laura’ mesmo ele estando sozinho em cena, pois sem o trabalho de toda essa equipe não seria possível uma montagem tão magistral.
Impossível não derramar lágrimas em uma montagem onde o ator se multiplica, a história é uma lição de vida e tudo se encaixa perfeitamente. A montagem está com três indicações ao Prêmio Shell 2011: Melhor Ator, Iluminação e Direção de Movimento. Todos os Netos Cibernéticos estão obrigados à prestigiarem uma das melhores montagens que o Rio de Janeiro tem neste ano de 2011.

Classificação da Velha: ESPETÁCULO (entenda a classificação aqui)

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Informações sobre a montagem:

O FILHO ETERNO
Texto: Cristovão Tezza
Adaptação: Bruno Lara Rezende
Direção: Daniel Herz
Elenco: Charles Fricks

Onde: Teatro Leblon
Quando: até 26 de outubro de 2011 / terças e quartas, 21h
Devido ao sucesso, o espetáculo teve sua temporada prolongada até 14 de dezembro de 2011, terças e quartas, 21h.
Quanto: R$ 50,00.



TEMPORADA ATUAL - 2012

Onde: Teatro Leblon
Quando: até 25 de fevereiro de 2012 / sextas e sábados, 18h30.
Quanto: R$ 50,00


Que Dionísio ilumine o caminho dos que precisam!

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